segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Primeiro, depois e adeus

Primeiro foi o medo, aquela figura de cabelo punk, coturnos e roupa escura nao me causou, em nada, boa impressao. Depois foi a curiosidade de saber se a figura era mesmo "do mal" ou se tudo nao passava de uma fachada muito bem montada. Se seguiram algumas visitas ao café, alguns cumprimentos, uma que outra cerveja e ponto. A segunda opçao era a correta. Nao sei como aconteceu, mas do medo inicial comecei a, pouco a pouco, reparar nos olhos, na cor da pele, nas maos, enfim, em todos os detalhes que estavam à vista. Até que surgiu um convite da parte dela de nos conhecermos melhor. Da curiosidade passei à ansiedade do encontro. E quando ele finalmente aconteceu tive que entregar os pontos: àquela pessoinha, tao controversa, tinha realmente conseguido despertar em mim uma vontade urgente de estar junto à ela. Uma noite saímos para beber com um grupo de amigos e depois...bem, depois eu saltei do carro que me levaria à casa, disse que logo me arranjaria para voltar e me lancei nos braços dela. Foi uma noite incrível e agora, lembrando bem dos detalhes, foi um belo presente de aniversário (era noite de 19 de abril, de fato). Outras noites igualmente alcoólicas se seguiram àquela e a segunda coisa que me aconteceu foi me apaixonar. A terceira nao foi dizer adeus porque, apesar do seu desaparecimento repentino, nao ficou nada por resolver entre nós. Nem por dizer.

terça-feira, 21 de julho de 2009

A parte que me cabia

Ela deitava no sofá e formava um "s" com o corpo. Na primeira curva aconchegava o meu irmao, um ano mais velho mas mais magrinho e miúdo que eu. A outra ficava reservada pra mim, que tinha que dobrar bem os joelhos pra caber ali sem incomodar a ela e a ele. Pensava que se aquela era a parte que me cabia que tinha de aproveitar tudo, sem me queixar. Nunca pensei em pedir para mudar meu lugar, em ocupar a primeira curva. Talvez por pensar, naquela idade tao inocente, que como ele era mais velho que tinha a preferência. Mas de repente um dia fui me colocar ali e nao cabia mais. Tentei dobrar mais o joelho e nada, as coxas já eram mais largas, a bunda também e ela me disse, sem muitas voltas que eu cabia mais ali. Perdi meu chao, meu lugar. Tive de me acostumar a sentar na outra poltrona, sozinha, sem irmao e sem ela por perto para poder tocar. Minha mae continuava colocando meu irmao junto a seu peito e a mim só me cabia olhar...

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Carta no caminho

"...porque eu nao tenho talento e nem muito menos vontade de reinventar a roda. Alguém já fez isso há muito tempo e fez muito bem. Nao tenho veia poética e nao me sinto nada frustrada por isso, afinal, ninguém é perfeito. Por isso mesmo essa mania de sempre te mandar trechos de músicas ou mesmo músicas inteiras. Porque essa é a forma que tenho de dizer que contigo estou assim, em permanente estado de graça e que mesmo se nao estamos juntos eu me sinto igualmente feliz porque se os corpos nesse instante estao afastados nosso sentimento continua em uma trilha que já é agora independente da nossa vontade. E de tento usar letras de música para dizer de algumas outras maneiras que te amo, descobri que sim, eu gosto de poesia. Mas nao dessa poesia de livros, que usa demasiadas palavras para, ao final, nao dizer nada, me deixar sempre com a sensaçao de que a poesia realmente nao foi feita para mim. Sempre acabava com a sensaçao de que nunca chegaria a compreendê-la de todo. O que acontecia, na verdade, é que me faltavam boas lentes para este tipo de leitura. E aproveitando o momento, tenho que confessar-lhe outra coisa: sim, eu também gosto de rosas. Quanto mais vermelhas, mais bonitas me parecem. Eu queria convencer-me do contrário, que dar rosas era uma tonteria quando se podia dar sempre um presente mais duradouro. Como pude ser tao tonta? Mas isso nao exclue o fato de que eu prefiro margaridas ou girassóis, e se estiverem plantados na janela do meu quarto tanto melhor. Mas...por que mesmo eu comecei esta carta? Ah, claro, era para explicar a coisa essa de te mandar pedaços das minhas cançoes favoritas. A propósito: você já chegou a escutar alguma delas? Uma ou outra tenho certeza que já te coloquei aqui em casa, nao sei se você prestou muita atençao. Também já nao importa. Nada importa. Ou melhor: tudo que nao tenha a grandeza desse amor já nao tem a mínima importância. Porque contigo me sinto simples, encantadora e lindamente feliz. Dizem que nao se deve agradecer por um sentimento que lhe é ofertado, que o que se deve fazer é retribuir, como se pode. Isto é só o que tenho feito. Nossas medidas nunca serao iguais porque sentimento nao se mede, nao se pesa e nao se rotula. Mas hoje, agora mesmo, o que te posso assegurar é que com você meu mundo é realmente completo."

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Lua cheia

Um cigarro. Dois. Três. Cinco. Talvez algum mais. O atraso nao foi tao largo, mas a demora se tornou um suplício naquela noite de verao enquanto eu esperava, sentada na varanda do meu apartamento. Primeiro, a ligaçao no celular. Dois minutos depois, finalmente, o encontro cara-a-cara. Alguma coisa estava para acontecer, eu podia sentir o cheiro, a forma e todo o conteúdo. De caminho até o bar ele se desculpou pelo atraso dizendo que havia parado por uns 20 minutos ou mais na rua, sem nem sequer descer da bicicleta, para admirar a lua. Era noite de lua cheia e eu nem me havia dado conta. Quando finalmente pude procurá-la no céu entendi tudo. Depois foram dedos entre os cabelos, braços que se procuravam, lábios e línguas que se encontravam e um amor que se despertava assim, numa noite de lua cheia.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Memória-amiga

"Burilo minha memória com zelo de ourives e nela insiste você.
Um diamante
opulento travestido de morangos.
Ficaria bem...
em meus dedos,
num pingente dançante sobre os tambores do coração.
Ganharia volume em abraços de saudade.
Preencheria narinas e boca..."

Zaballa

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

História da carochinha

Quando tinha tempo livre, ele sempre se animava a fazer algo com os filhos. A mulher, sempre fora por conta do trabalho, quase nunca participava desses momentos em família. Se tinha a sorte de chegar em meio de alguma dessas atividades, logo o cansaço a dominava e nao lhe deixava outra opçao que nao fosse ir à cama para dormir. Lembro quando ele pegava os pequenos e os ponia em sua cama. Ajeitava a cabeça de cada um em cada braço e começa a contar histórias incríveis, que nao tinham monstros, nem princesas, mas gente normal, que passava por apuros de verdade, que se via em meio a algum perigo mas logo aparecia alguém para ajudar-lhe. Contava histórias que nunca tinham fim porque os pequenos sempre dormiam antes de final. Se ele chegava da rua mais animado, entao a tarde ou a noite era de música, com ele ao violao e um pequeno sentado em cada joelho. O menino nao tinha muito jeito para cantar, mas a pequena era a afinaçao em pessoa e ele se sentia orgulhoso de ver nela sua véia artística ressaltada. Outro dia me peguei recordando essas cenas. Pude ver-me na pele daquela moreninha de pernas grossas e cabelos cacheados mas nao consegui lembrar de nenhuma história. Vai ver elas foram feitas para isso mesmo: para serem esquecidas. Ou simplesmente estao tao bem guardadas que nem eu mesma sei ao certo onde encontrar.